Carregamos a Neurose em nossos bolsos (e bolsas) todos os dias

Eu comecei minha carreira profissional, aos 18 anos, de uma maneira pouco comum. Assumi a reportagem policial de um jornal local. Entre o estágio de dois meses e o exercício profissional propriamente dito, foram quase dois anos. Durante esse tempo, fiz a cobertura de assassinatos, casos de tráfico de drogas, brigas de trânsito, enfim violência em geral. A editoria de polícia tinha só como concorrente o setor de esportes em termos de leitores. Como me disse um editor à época, “ o que faz um jornal é polícia e esportes, o resto é perfume”.

Há quase quarenta anos, os níveis de tudo isso eram bem abaixo dos registrados hoje. Mesmo assim, senti o impacto na minha saúde mental. Saí prometendo não mais trabalhar nisso. Talvez se tivesse acontecido em outra fase da minha vida, quando estivesse mais maduro, não tomaria aquela decisão radical tão rápido. Mas tenho convicção que a tomaria, até por conta de fatos posteriores.

Em outro recorte de tempo, fazendo assessoria de imprensa e já na política local, tinha como responsabilidade acompanhar um programa popularesco local, cuja pauta principal eram casos de violência. Entretanto, fundado por um político influente, era também referência em assuntos desta área. Atuando com jornal e também em rádio e TV, era inegável sua influência e impacto. Portanto, seu acompanhamento era obrigatório.

O problema é que as notícias que me interessavam eram entremeadas em blocos e mais blocos do foco das reportagens. Para dar conta, eu dedicava metade do expediente até a finalização do programa de TV. Essa imersão teve um custo semelhante ao exercício profissional da reportagem policial. Os dias transcorriam mais penosos, pois eu sentia uma fadiga emocional ao ter que ouvir a respeito e ver tantas cenas violentas. No jornal impresso, pelo menos, já podia ir ao que interessava e ignorar o resto. Não era possível fazer isso nos demais veículos, então tinha que verter o cálice até a última gota.

Esse estilo de jornalismo, chamado de “Mundo Cão”, teve seus primórdios na década de 60. Na mesma época, surgia o famoso jornal impresso “Notícias Populares” e na TV esse gênero de notícias conquistaria ampla popularidade com o jornalista Jacinto Fiqueira, o “Homem do Sapato Branco”. Outros programas seguiriam aparecendo, como o “Povo na TV” e o “Aqui Agora”, este último já nos anos 90.

Os programas e jornais citados não existem mais, mas teriam se adaptado ao meio mais rápido de divulgação das redes sociais. O melhor lance das redes foi acompanhar o desenvolvimento da telefonia celular. Os aplicativos que antes rodavam somente no PC, adequaram-se aos telefones celulares dando um salto imenso para também se incorporar à vida de todo mundo em tempo real.

Há ainda programas de TV que exploram a mesma temática, que inclui também mostrar a miséria a que parte da população é relegada. Porém eu insisto que nada supera mais supera as redes sociais para a mostrar a desgraça do dia a dia.

Se antes as imagens dos acontecimentos eram raras, já que as equipes chegavam depois dos fatos, hoje podemos acessar vídeos reais da própria violência, como se fossem ao vivo. Brigas em escolas, agressões covardes, assassinatos. Todos tem câmeras e acesso 24 horas a aplicativos e redes sociais. O imediatismo da divulgação é necessário tendo em vista a miríade de perfis concorrentes e em busca de reconhecimento.

Somos cada vez mais tentados a aceitar receber notificações para ficar não mais “em dia” mas “em hora” ou “em minutos” com as atualizações e não somente e casos locais, mas mundiais de violência: guerras, fome, genocídio e atentados políticos. Tudo com imagens.

Ninguém precisa ser repórter policial ou especialista para reconhecer o comprometimento mental e emocional que tal exposição pode provocar, por mais evitável seja dar atenção a este tipo de conteúdo, mas não será 100%. O desgaste influencia a disponibilidade emocional que temos para lidar com problemas reais para cada um de nós, rotineiros e contínuos. Por menor que seja o comprometimento, as impressões ruins causam um impacto que pode vir a se acumular na forma de neuroses: ansiedade, fobias, depressão e tendências obsessivo-compulsivas.

Se antes bastava desligar o rádio ou a TV e ignorar o tipo de publicação que “se torcesse saía sangue”, hoje deixou de ser tão simples. Tanto no mundo corporativo como o público, o celular está incorporado ao cotidiano pessoal e profissional, bem como as redes sociais. São poucos os privilegiados que podem dispensar o aparelho em suas rotinas. E são ótimas ferramentas num dia a dia cada vez mais intenso. Portando, não se trata de demonizar a existência das redes. Ao contrário, precisamos estabelecer uma convivência equilibrada para poder lidar com tanta carga negativa inerente a existência das mesmas, aproveitando a sua agilidade no que interessa mais: desenvolvimento pessoal e profissional.

Dá para fazer isso, basta acompanhar e cuidar da Saúde Mental.

Vamos lá?

Comentários (2)
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  • M
    Mauricio AffonsoJunho 2025
    Excelente reflexão!
  • C
    Cléo ReisJunho 2025
    Ótima explanação de algumas reais tristezas hodiernas. Para vermos uma notícia sobre política por exemplo- não menos triste...- temos que ver dezenas sobre violências... Se eu fosse Jornalista criaria um Jornal só de boas notícias!! Tenho certeza que também faria muito sucesso, disseminaria Boas Vibrações, saúde física e mental a todos!