Recentemente, escrevi a respeito da histeria provocada por casos isolados de “mâes” de bebês reborn que buscam atendimento e direitos por adotarem meros bonecos. Entretanto, exceto esses casos extremos, pode-se ver na relação transicional que,normalmente, é de origem infantil persistir na fase adulta até por vivermos cada vez mais em um mundo incerto e instável. Esse apego a objetos -relação objetal - na infância está mais relacionado à ausência temporária daqueles responsáveis pelos cuidados da criança, conforme estudado por Melanie Klein. Para os adultos, a terminologia mais corrente é usar o termo “transicional”, conforme disposto por Winnicott. É somente a divisão, porque a finalidade é a mesma: lidar com o estresse e frustrações, possibilitando mais calma e controle.
A fantasia estrutura o desejo de acordo com a teoria lacaniana. É uma forma de estruturar o desejo que ajuda a pessoa a lidar com a falta, condição intrinseca ao desejo. Por isso, a fantasia não é somente uma ilusão ou escapismo, mas algo fundamental para estruturar o desejo e viabilizar uma relação com a complexidade da vida psíquica.
Para o psicanalista, compreender o desejo e a fantasia é fundamental na prática clínica. Eles fornecem uma base para as motivacoes internas e padrões de comportamentos e conflitos.
Necessessário é distinguir desejo de necessidades. Tanto para Lacan como para Maslow, necessidade é o requisito básico para a sobrevivência. Citanto apenas Maslow, é a base de sua famosa pirâmide de necessidades. Se analisarmos os níveis mais altos da Pirâmide de Maslow, vamos encontrar a definição lacaniana que o desejo é sempre o desejo do Outro – pertencimento, reconhecimento, realização. É algo que pode nunca ser totalmente alcançado.
Surgindo após o atendimento das necessidades, é o desejo que vai dirigir os esforços da vida psíquica. Cabe ao terapeuta trabalhar com o paciente visando entender como as fantasias organizam seu desejo e buscar o desenvolvimento de formas mais equilibradas de relacionar com os outros e consigo mesmo.
Outro ponto básico é considerar que nem sempre a fantasia está relacionada diretamente ao desejo gerado pela falta. É preciso fazer a escuta atenta e a devida interpretação, pois muitas vezes a transição objetal ocorre numa situação na qual os pontos estruturantes da fantasia estão mais próximos ou a atenção do Outro será mais facilmente canalizada. Não se ater a padrões do comportamento explícito permite ao terapeuta não tirar conclusões precipitadas. Em qualquer caso, a investigação profunda se faz necessária para se certificar que o desejo não está estruturado também numa fantasia que mais esconde do que revela.
Em todos os casos, os desejos são aspirações normais a qualquer pessoa e caso promovam padrões de comportamento equivocados ou bizarros, cabe à psicanálise devolver-lhe a manifestação mais adequada para o conforto de seu portador.
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CCléo ReisMaio 2025Texto leve, mas muito profundo e esclarecedor! Viver neste mundo atual, acentuadamente " instável e inseguro" é enorme desafio à manutenção da nossa Harmonia. " se há desejo, é porque há falta" -importa tíssima reflexão para compreenssões e Amoroso auxílio. Gratidão.