HISTERIA REBORN: POR QUE NÃO É UM PROBLEMA REAL?

Bastou uma reportagem em um programa de TV nacional para que houvesse uma mobilização a respeito do uso de bebês reborn em serviços públicos e dúvidas sobre a sanidade mental daqueles que os adquirem. De fato, pode parecer estranho o nível afetivo de certas pessoas ao falarem (e cuidarem) dos bonecos como se fossem reais. Mas isto está longe de ser uma novidade no comportamento humano e especificamente para a psicanálise.

Desde a infância somos condicionados ao apego a determinados objetos, inclusive bonecos. É o que Winnicott definiu como “objeto transicional”. Na verdade, o objeto passa a ser depósito de sentimentos, como segurança e conforto, principalmente na ausência daqueles que normalmente são o alvo da transferência objetal, como pais e cuidadores. Independentemente até da presença desses últimos, comumente temos objetos para os quais direcionamos sentimentos afetivos e verdadeiro apego, o que é real até para adultos.

A aquisição de bebês hiper-realistas se transformou numa tendência e não se pode negar o envolvimento emocional para além do saudável. Há a possibilidade de que esse envolvimento ultrapasse o simbólico e atinge o registro real pertencente à área do inconsciente e envolva a projeção de tratar-se de um bebê genuíno. Conforme conceitos centrais da psicanálise por Lacan – desejo e fantasia – aquele é sempre o desejo do Outro, algo que nunca pode ser totalmente alcançado. Já a fantasia é um cenário imaginado para sustentar o desejo e um ponto de apoio para direção de ua forma.

Entretanto, isso não vai acontecer apenas com bebês reborn. Acontece também com as amizades e os relacionamentos virtuais por meio da Inteligência Artificial, por exemplo. Há inúmeros serviços oferecendo o homem e a mulher ideais para substituir relacionamentos reais isentos de conflitos e de dúvidas, simplificando o atendimento ao desejo conforme descrito. Há mais tempo ainda, bonecas e bonecos hiper-realistas em tamanho natural vêm sendo comercializados e foram relatados casos (poucos) de casamento entre um ser humano e um desses bonecos.

Como poucos são os casos relatados de pessoas que buscaram serviços públicos visando o atendimento de bebês reborn ou solicitando preferência na fila de espera. Da mesma forma que casamentos com bonecas e bonecos sexuais, a lógica pede que sejam separadas a patologia real da midiatização de perfis sociais nos quais usuários buscam viralizar seus posts e ganhar popularidade. Foi o caso de uma mulher em Santa Catarina que, no ínício do ano, pediu para vacinar um bebê reborn. Ante a recusa dos funcionários, pediu tão somente a encenação com o uso de uma seringa para que ela fizesse a foto ou a filmagem. Eles não cederam, claro.

Por isso, as dezenas de projetos de lei visando punir quem levar bebês para atendimento nos serviços públicos e foram apresentados desde o Congresso Nacional até nas câmaras municipais são desnecessários. O oportunismo político explica esse fato, mas não colabora para um debate racional sobre o tema. Além de insinuar que técnicos e outros servidores não estão aparelhados para detectar as eventuais situações farsescas e tomar medidas com a autoridade de que são portadores.

Para qualquer evento envolvendo bebês reborn produzindo prejuízos pessoais ou financeiros para aqueles que os adquirem, temos as ferramentas psicanalíticas para o acompanhamento. Não será diferente para outros casos complexos, quando a pessoa entende a necessidade de ajuda e procura um especialista. Garanto que atualmente há situações bem mais complexas e prejudiciais que o relacionamento com bebês reborn.

Comentários (0)
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
Nenhum comentário. Seja o(a) primeiro(a) a comentar!